Aline Euzébio (@alineboches), 30 anos, autora e revisora de materiais didáticos e especialista em projetos editoriais. Formada em Letras, estudou Literatura feminina no século XIX e é autora do artigo “A Construção da identidade feminina nas páginas da Revista TPM.” Hoje ela conversa com a gente sobre os dilemas de uma mulher (quase) moderna.
Você se considera uma “mulher moderna”? Por quê?
Acho que o conceito de mulher moderna é bastante discutível. Percebo-me como uma típica mulher da minha geração, dessa transição do século XX para o XXI. Acho que o conceito de modernidade está meio ultrapassado, eu me classificaria como “mulher pós-moderna”.
Para você, quais são as características dessa mulher moderna?
Como disse, acho o conceito de “mulher moderna” muito discutível, até porque o adjetivo “moderno” tem muitas acepções. Se a gente interpretar “moderno” no sentido de estar antenado às novidades, uma mulher dos anos 50 poderá ser considerada moderna, dentro da época dela, é claro. Agora, se você me perguntar quais são as características da mulher pós-moderna, entendendo por mulher pós-moderna a mulher do mundo atual, eu digo que é o conflito, o dilema. Sabe aquela história de não saber se casa ou compra uma bicicleta? A gente quer ser a executiva “elegantérrima” e poderosíssima de tailleur, scarpin e óculos escuros (da Prada!), mas também bem que quer dar aquela casadinha básica, de véu e grinalda igualzinho à vovó. Nenhum problema em acontecerem as duas coisas, é só uma maneira figurada de dizer que parte da gente quer um padrão novo, mas parte ainda está apegada a um padrão antigo.
Você acredita que a mulher realmente evoluiu ou essa tal “mulher moderna” de quem tanto se ouve falar é, na verdade, um mito construído pela mídia?
Nem tanto ao sol, nem tanto ao mar. A supermulher – ridícula essa ortografia nova, eu sei –, assim como o macho alfa, é uma idealização. A imagem da mulher moderna como independente, livre, bem-resolvida, na minha opinião, foi necessária como um insumo projetivo. Acho que as mulheres buscaram chegar nesse ideal projetado e tiveram muitas conquistas, algumas sim, outras não. Acho que agora é o momento da reflexão crítica, de olhar para trás e ver quais foram os ganhos e as perdas ocorridos no processo e o que falta a ser feito. Acho também que esse estereótipo da “mulher moderna” às vezes atrapalha. Essa ideia de que a mulher moderna é multitarefa, por exemplo, de que é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Isso faz a gente se sentir na obrigação de dar conta de tudo. Aí um belo dia você falha em uma coisa – e isso vai acontecer muitas vezes – e fica se sentindo a pior das piores porque a impressão que se tem é de que toda mulher dá conta de administrar casa, emprego, namorado, cartão de crédito, cabeleireiro, manicure e pedicure, menos você, que é uma looser total.
Algumas pessoas acham que o Brasil é um país liberal. Você concorda ou acha que os valores do patriarcado ainda são preservados? E em relação à mulher: você acha que a mulher brasileira é mesmo sexualmente liberal como se fala ou isso é uma fachada?
Depende do referencial. Ser mulher aqui é mil vezes melhor que ser mulher no Afeganistão, mas também é mil vezes pior do que ser mulher na Alemanha. As mudanças estão acontecendo, isso é inegável. A Lei Maria da Penha é um grande avanço. Outro exemplo a ser citado é a questão eleitoral. Até o início do século passado, as brasileiras não podiam votar, e agora nós temos uma presidenta, que inclusive faz questão de ser chamada assim, no feminino, para reforçar que o cargo de chefe de Estado hoje está nas mãos de uma mulher. Outro dado curioso: segundo o censo do IBGE de 2010, 43% dos lares brasileiros são sustentados por mulheres. Isso é um golpe no patriarcado, sem dúvida, porque, normalmente, o poder está onde está o dinheiro. Mas o quadro não é tão otimista quanto parece. Historicamente o Brasil é um país machista, e a gente tem provas disso o tempo inteiro, até enche o saco. O quase linchamento da Geyse Arruda na Uniban é prova disso, a piada sobre estupro feita por Rafinha Bastos é prova disso, as cantadas repulsivas que ouvimos nas ruas a todo momento são prova disso, a repressão generalizada ao comportamento da Renata do BBB, porque ela pegou 3 caras em 3 meses de programa é prova disso. (Como se homens e mulheres aqui fora não tivessem pegado 3 por hora no carnaval, na semana passada). Quanto às brasileiras serem liberais, não acho que são. As mulheres-frutas que se exibem nas quitandas do showbizz e as dançarinas que rebolam seminuas na TV não são, naquele contexto, mulheres reais expressando sua autêntica sexualidade. São personagens. A brasileira comum, reles mortal, é até recalcada. Se a gente fosse liberal, temas como “mulher chegar em homem” e “sexo no primeiro encontro” nem seriam pauta de discussão, como acontece hoje, umas defendendo e outras condenando ardorosamente. Seriam questões de foro íntimo, exclusivamente pessoais e totalmente amorais, sem rótulo de certo ou errado. A mulher verdadeiramente liberal, no Brasil, que tem autoridade sobre seu corpo e banca seus desejos, é “arrastada pela medina”, é muito reprimida.
Dizem por aí que a mulher conquistou tudo o que queria. Mas se é assim porque você acha que os consultórios psicológicos estão tão cheios e estamos vendo mulheres cada vez mais jovens tomando antidepressivos?
Aí é que está, não conquistamos tudo o que queríamos. Quando falamos na revolução feminina, estamos falando da nossa panelinha, eu, você e nossas amigas relativamente jovens, ocidentais, urbanas, estudadas, de classe média ou alta. O resto do mundo, em termos de gênero, ainda está lá em 1500 e lá vai bolinha. O feminismo não chegou na casa da sua avó de 80 anos, nem na casa da moça casadoira que mora na roça lá em São João de Manteninha e muito menos para esposa do seu Mohamed lá das Arábias. É importante fazer essa distinção, porque quando se fala na questão feminina, fica parecendo que mulher é uma coisa só, independente do tempo e do espaço. Não é. O grupo das mulheres é heterogêneo, mulher nova e mulher velha, mulher rica e mulher pobre, mulher chinesa e mulher francesa, não é tudo a mesma coisa, e a maneira como você expressa sua condição feminina no mundo depende de todos estes fatores: renda, cultura, religião, etnia, grau de escolaridade…Quando falamos, por exemplo, em entrada da mulher no mercado de trabalho, estamos, no máximo, falando da universalização do trabalho feminino, porque sempre houve na História mulheres trabalhando. Sempre teve escrava, sempre teve camponesa, sempre teve operária, mesmo antes da tal “entrada da mulher no mercado”. E mesmo para o nosso clube da Luluzinha é difícil ser uma ilha de feminismo no meio do mar patriarcal. São séculos e séculos de condicionamento. O patriarcalismo é horrível, mas é só o que conhecemos até agora, ainda estamos aprendendo a viver em um outro mundo, de uma outra forma, e mudanças são sempre demoradas e sofridas, mesmo que sejam para melhor.
Você acha que ainda falta alguma coisa para a mulher evoluir de verdade? O que?
Falta homens e mulheres perceberem que têm muito mais em comum do que gostariam de admitir. As pessoas, antes de serem homens e mulheres, são…pessoas! A nossa condição de seres humanos limitados, falhos e mortais nos aproxima mais do que os nossos gêneros nos distanciam. Que diferença faz ser homem ou mulher na hora da morte, ou do câncer ou quando se perde um irmão? Se conseguirmos colocar nossa condição humana acima da nossa condição de gênero, e se reconhecermos que todo ser humano têm direitos básicos universais, nós, homens e mulheres, vamos nos perceber como semelhantes e não mais como opostos ou complementares. Como diz meu cunhado, “vai, mas demora”.
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Tudo que eu vejo é a sobrancelha…
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hahaha
Boba! Essa foto tá linda! :)
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Muito bom ,o post.
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EXCELENTE entrevista. Sem nem mais o que falar.
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Bacana, Aline!
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Adorei a entrevista com a minha amiga Diva-mor… Entrevista sincera e linda, assim como a entrevistada
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Esta é a minha garota. Hoje eu posso babar à vontade a minha menina-mulher. Parabéns filhota! Parabéns Bia. bjos
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Ahhh que orgulho da DIVA!!! Muito bom! Parabéns, Aline!!! Beijosss
Como faço pra compartilhar no facebook??!
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Que legal,Bia!
Ficou muito bacana a entrevista!
Parabéns!
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Adorei a primeira parte, muito lúcida, só não gostei tanto da última resposta, porque eu acho que esse papo de “somos todos seres humanos” esconde muita coisa, ou seja, as especificidades que são desrespeitadas o tempo todo, entende? Pra mim o que falta é um reconhecimento masculino, uma mudança de mentalidade sobre essa “nova mulher” (cheia de conflitos, como a Aline bem apontou!). Depois que houver isso aí sim, podemos cair nesse raciocínio de que “somos todos seres humanos”; mas sem haver o respeito à figura feminina acho impossível por enquanto chegar a este patamar! Mas enfim, vamos caminhando.
Obrigada pela colaboração!
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Amei! Como se não bastasse a gente já fazer de um tudo, ainda vem cobrança, insegurança, trabalho, estética, idade…. Difícil conciliar tanta coisa, mas creio eu que a alegria de ser mulher é maior. Nenhum homem jamais vai saber o poder de um rímel!!
bjo Bia! O blog tá cada dia melhor!
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