Afogar

Cólicas.
O útero dói.
Adoece.
Sangra.
Inflama.
Grita.
Desaba.
E então chora.

Quer viver de novo em mim.
Quer tomar seu espaço.
Quer me levar de volta.
Por essa jornada.
De onde fugi.

Onde deveria estar.
Voltar pra casa.

Mergulhar.
Em mim.
Me afogar.
Toda essência.

MULHER.

Eles

M um dia foi amor. Depois virou saudade, chegou a orgulho: “o teu amor é uma mentira que a minha vaidade quer”. Hoje é poesia.
R sempre foi sexo. Instinto. Sexo e arte. Homem e mulher. Macho e fêmea. Como Henry e Anais: “meu corpo é testemunha do bem que ele me faz”.
B chegou em época errada. Tornou-se conforto. Carinho e até conselho. Foi ele quem me disse outro dia que coloco: “caco de vidro no muro para o amor desistir”
F eu até tentei. Mas nunca passou de mais um: “você se parece com todo mundo”.
J Talvez algo novo? – : “não deixe tanta vida ‘pra’ depois”. Talvez um novo verso, uma nova trilha.
Ressignifico amores. Me abro de novo, mas
ainda escondo alguns desejos no fundo do armário.
Tento “arrumar a casa”. Como se fossem algo qualquer que precisa ser guardado.
Organizado. Engavetado.
Me apropriei daquilo que M me trouxe. Não é mais dele, virou meu. Era a paixão dele, virou minha. E ele hoje é mais um verso. Só um rascunho.
E quase todos viraram lembranças. Como fotos numa velha caixa.
Mas ainda fazem parte dessa história.
Bagunço a vida. Viro o jogo.
Monto o tabuleiro. Dou as cartas.
Me preparo para uma nova partida.
Mas não tem truco. Zap.
Nem xeque mate.
A rainha virou plebeia: “and my heart got lost somewhere in the shuffle,
so I’m all alone playing solitaire”

No corredor do supermercado

“Você tem esse jeitinho de artista, mas na verdade você é igual a qualquer outro homem.”

Foi naquele dia que eu me dei conta.
Que eu te amava sim.
Inteira. Ardia.
Sofria.
Me consumia.
Até o último poro do corpo.
Me entregava.
Até o último resquício de sentimento.

Me diz “didn’t I give you nearly everything that a woman possibly can?”

Mas você se esgueirava. Escorregava toda vez que chegávamos tão perto.

E eu por demais mulher.

Enquanto você carregava o peso de um menino abandonado.

Foi naquele dia que eu me dei conta.
No corredor do supermercado.
Que aquilo não era mais amor.
Era a cura.

Cura

Outono costumava ser minha estação favorita.
Devorava o mundo; tão faminta de amor. Ataques compulsivos tentando preencher o vazio da tua falta. Regurgitava sentimentos indigestos na mesma proporção dos frangalhos que me deixava. Didn’t I give you nearly everything that a woman possibly can?/ Honey, you know I did!/ (just) take another little piece of my heart.”
Como restos de comida que se joga a um cachorro sem dono. Dama e Vagabundo. Na nossa história nunca me deixou ser a dama.
Estava nas suas mãos. O pouco que tinha te dava, quase nada me sobrava.
Meu corpo e alma queimavam a todo instante; transtornados pela ignorância do desejo. Mas suas mãos não passavam de membro imobilizado. Como osso quebrado. Tudo era sempre pela metade. O nosso laço era frouxo.
Jazz. Aqui jaz um romance. Notas tocadas como pus saindo de machucado. Um corte lento e profundo. Um amor que acaba como um acorde interrompido. Sem improviso.
Dolorido.
Você tentava tapar os buracos enquanto eu insistia em jogar álcool na ferida aberta. A cada noite meu corpo sujo e dilacerado.
Eu era tempestade; você? garoa.
Tentava abrir as portas; batia, arrombava, fazia escândalo.
Eu era céu aberto, azul de outono; você? neblina.
Eu insistia na gente. Quanto menos você me dava mais eu tentava.
Implorava. Desejava com todos os poros do corpo. Mendigava amor e recebia esmolas.
Capricho.
Doença.
Dependência.

Recaída.
Quarentena.
Abstinência.

Libertação.
Cura.