Outono

Outono que mais parece verão. A cabeça dilata enquanto ainda insisto na besteira de me entregar até os poros. Ingênua, talvez. Bato recordes de ingestão de ibuprofeno e mais uma vez me vejo largada, sem lugar nessa vida. Cansei de ser assim. Sem dono. Cansei de me ver mulher. Mulher e sozinha. Já passei dos 30 e quero ser mãe. Quero filho, família. Porto seguro. Quero alguém pra descobrir. Escrever e amar de novo. Amar e escrever de novo. Cansei de não ser de ninguém. Quero amor, quero espera. Quero briga. Quero sexo. Nunca vou ser sua bonequinha impecável e “pronta pro uso”, mas ainda arrisco desejar a rotina de amar e ser amada pelo mesmo homem todos os dias.

Beatriz – 31

Não por acaso fui nomeada Beatriz. Eu, que não passo de uma espécie de musa dantesca. Um tipo de Rita Hayworth piorada. E tenho o inexorável destino daquela do amor impossível; que só pode chegar ao paraíso depois de passar pelo inferno da paixão. Aquela que o Chico cantou e pediu para ser levado para sempre. Aquela que só pode ser amada por algo da ordem da ilusão. Porque para amar uma verdadeira Beatriz é necessário um desprendimento de alma. Um desprendimento que eles não conseguem ter. Porque querem tomar posse. E isso não é amor. E eu, que me apaixonei por Nabokov e Nelson Rodrigues antes dos 15, aos 31 ainda não aprendi a deixar me amar.
Eu, que sobrevivi aos 30, idade na qual Sylvia Plath deu fim à própria vida, e que para nunca me esquecer de mim, marquei as costelas com aquela citação. Aquela que diz sobre querer ser importante sendo diferente enquanto as outras são todas iguais. Como gado marcado a ferro e fogo. Porque tenho essa alma de bicho solto. Porque antes de ser sua, sou minha. Porque até hoje eu só sei a ser a mulher da minha vida. Porque assim como Tieta também não fui feita da costela de Adão.
Porque pode me ler e até me levar pra cama. Se apaixonar pela Bia. Mas para amar…amar uma Beatriz…amar uma Beatriz pede coragem. Coragem para amar só pelo amor e para ser o que se é. Porque é assim que ela é. E é assim que eu sou.

De repente 30

Aos 30 anos eu ainda almejo uma barriga negativa e uma coleção de sapatos mas me preocupo muito mais em aumentar minha biblioteca. Aos 30 anos eu quero estar com os cabelos lindos e loiros mas um bad hair day deixa de ter tanta importância na vida. Aos 30 anos meu coração se quebrou tantas vezes que eu simplesmente perdi o medo de amar. Aos 30 anos eu realmente prefiro estar sozinha a “estar junto apenas por estar”. Aos 30 anos eu descobri que um relacionamento não precisa ser perfeito mas precisa ser verdadeiro. Aos 30 anos me sinto mais atraída por um cara que tem aquela barriguinha de chopp, mas com o qual você consegue conversar horas sem ver o tempo passar, do que por aquele que vive na academia, toma whey protein e come barrinha de cereal. Aos 30 anos as angústias e dúvidas continuam latentes, mas a gente entende que é através delas que a gente evolui e a vida segue o fluxo. Aos 30 anos a gente percebe que, se soubermos aproveitar as lições, as dores e decepções nos tornam pessoas melhores.  Aos 30 anos eu me preocupo em pagar as contas mas ainda sonho acordada e anoto planos no caderno. Aos 30 anos eu ainda sonho com uma casa grande com sótão, mas também seria feliz conseguindo pagar o aluguel de um apartamento pequeno. Aos 30 anos eu sei que ainda vou “chegar lá”, mas me preocupo principalmente com o caminho a ser trilhado. Aos 30 anos eu ainda busco algo especial. Aos 30 anos, enquanto o mundo me pede mais calma, e eu só me entrego pela alma.

Quase 30

Daqueles dias nos quais eu paro por alguns minutos e tento entender o que é que estou fazendo aqui. Aos quase 30 anos eu tenho cada vez menos certezas. Essa viagem chamada “vida” às vezes perde um pouco o sentido e as buscas ainda fazem mais parte do que os caminhos certos. A insegurança aumenta na mesma proporção que o desejo de realizar e cada vez mais eu sei que não quero simplesmente passar os dias esperando minha vez de ir embora. Eu, que às vezes pareço tão “bem resolvida”, ainda preciso de alguém que me cuide, me entenda, me explique e me ensine. Durmo tarde e só quem vive nessas noites de insônia sabe o sentido real de se sentir viva. Viva e ao mesmo tempo morta. Aos quase 30 anos os amores são cada vez mais líquidos e o desejo de amar é cada vez mais sólido. Aos quase 30 anos a angústia aumenta mas a gente descobre que só pelas dúvidas e questionamentos a gente pode se tornar quem é. Aos quase 30 anos eu sei que a idade não é mais do que um artifício inventado pelos homens. Aos quase 30 anos eu preciso de menos certezas e muito mais amor no peito.