Peso

Sempre achei que o pior seria nos ver morrer. Acabamos enterrados, soterrados a cada respiração, com uma nova camada de terra. A cada dia mais distantes. Mas o pior é te ver e perceber que somos melhores longe um do outro. Você parece mais solto, pronto pra caminhar sozinho de novo e eu tirei todo o peso daquele amor das costas. O corpo magro denuncia alguma fragilidade. E eu sei. Sei que algo em mim muda quando te vejo. E que o “acaso” ainda me leva pra você. E hoje eu também sei que teu jeito de olhar pra mim continua o mesmo. Talvez no dia em que eu não tiver mais certeza desse olhar eu não mude mais. Talvez nesse dia algo em mim só me diga que tudo acabou de vez e que devo apenas seguir em frente.

Desencarne

Volto àquele café onde estivemos juntos pela última vez. Sento na mesma mesa e escolho o mesmo vinho. Apenas como quem busca as últimas palavras em um velório. Só que desta vez o cadáver é o meu. Não sei quantas vezes morri e reencarnei desde aquela quarta-feira de novembro que mais parecia um pesadelo do qual eu ainda insistia em não acordar, mas sei que agora acabou. Pela primeira vez desde que você chegou eu deixei de acreditar. Tudo que me ocupa o peito é um vazio. Simplesmente não me importo mais. Tua falta já não sangra. O membro do amor foi amputado, arrancado como num parto à fórceps. Agora só aquela frase de Tsvetáieva insiste em martelar na minha cabeça, sem me deixar fugir, como que me levando de volta ao meu lugar: “De alguma maneira arrasto para o amor alguma coisa que faz com que ele não se realize, se disperse, se desfaça”.

Sarcasmo

Perante a tua falta de vontade aquela saudade virou qualquer coisa, como que jogada no fundo da gaveta. A tua falta ainda incomoda, mas já não quero porque os restos desse amor não me convencem mais e essas lembranças só trazem algo de ridículo. Suas palavras já não me comovem. E de repente você parece ser só mais um. O desejo não passa de mais um capricho e meu corpo quer ser tocado por outras mãos que não as suas. O amor é sarcasmo. A minha fraqueza ainda é amar.

 

Cacos II

Porque quando eu estava ao seu lado o mundo poderia explodir que eu não me importaria. Porque quando estávamos juntos, de alguma maneira, até as coisas mais sem sentido pareciam tão certas. Mas assim, de um dia pro outro, quem explodiu fomos nós. Foi o amor que eu sentia que foi quebrado, dilacerado. Enquanto eu ainda tentava juntar os pedacinhos você jogava tudo fora.
“Meu coração ainda corre ao teu encontro com demasiada violência” – escreve aquele filósofo. Se eu pudesse ainda correria pra você. Mas, mais uma vez, a única coisa que eu faço é atender ao seu desejo: você decidiu que tinha que acabar. E você nega, mas você sabe.  As incompatibilidades nunca foram o problema. O problema foi a sua escolha. De não nos deixar acontecer. Você que um dia me pediu para tentar. Para viver a nossa história até as últimas consequências, de repente escolheu não vivê-la.